MCTI negocia ‘resgate’ de US$ 2,5 bilhões do BID para a ciência brasileira
REPORTAGEM ESPECIAL_CRISE NA CIÊNCIA (Parte 2 de 2): Dinheiro viria como empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ao longo de seis anos. Acordo ainda precisa de aval do Ministério do Planejamento e do Congresso Nacional.
Para ler a primeira parte da reportagem, clique aqui: REPORTAGEM ESPECIAL_CRISE NA CIÊNCIA (Parte 1)
Emília Curi, secretária-executiva do MCTI. Foto: Ascom/MCTI
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) está negociando um empréstimo de US$ 2,5 bilhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para resgatar a ciência brasileira do estado de penúria gerado pela perda de receitas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
O banco já concordou com o empréstimo, distribuído ao longo de seis anos, mas o acordo ainda precisa ser aprovado pelo Ministério do Planejamento e pelo Senado. “Esse financiamento significa a expansão, consolidação e articulação do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação, com impacto amplo em todo setor, incluindo as universidades, os institutos de pesquisas e as empresas”, diz o MCTI.
“A expectativa é ter tudo aprovado ainda neste ano, para começar a executar os recursos no ano que vem”, disse ao Estado a secretária-executiva do ministério, Emília Curi. “O retorno disso seria imediato para o País.”
Entre outras coisas, o empréstimo permitiria ressuscitar o edital dos novos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), de R$ 640 milhões, cuja execução está ameaçada pela falta de recursos. A implementação dos projetos estava prevista para começar em abril, mas o julgamento das propostas nem foi concluído ainda.
Entre mortos e feridos, estamos respirando” – Emília Curi, secretária-executiva do MCTI
“É um dinheiro nobre, para uma causa nobre, que vai ajudar a movimentar a economia”, diz o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o matemático Jacob Palis, que está acompanhando o processo — e torcendo para que ele dê certo. Ele lembra que o programa que antecedeu os INCTs, chamado Institutos do Milênio, nasceu de um empréstimo do Banco Mundial, no início dos anos 2000. “O momento é muito difícil, mas não perdemos a esperança.”
Com relação ao uso de recursos do FNDCT para o programa Ciência sem Fronteiras, Emília disse que já há um acordo com o Ministério do Planejamento para que isso não ocorra mais a partir de 2016. Também já é quase certo que as Organizações Sociais (OS) serão retiradas do fundo — com exceção daquelas que têm relação direta com ciência e tecnologia.
Segundo Emília, o ministro Aldo Rebelo está se empenhando para limpar o fundo desses “desvios”. O valor disponível (livre de contingenciamento) no fundo para o MCTI em 2016, segundo ela, será de R$ 1,044 bilhão. “Entre mortos e feridos, estamos respirando”, afirma.
FUNDO SOCIAL
Para tapar o buraco deixado no FNDCT pelo esvaziamento do Fundo Setorial do Petróleo (CT-Petro) e garantir uma fonte mais perene de recursos, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) estão pleiteando à presidente Dilma Rousseff que metade dos royalties destinados ao novo Fundo Social do Pré-Sal sejam aplicados em ciência e tecnologia (além da outra metade, que já está reservada para investimentos em saúde e educação).
“Em defesa de nosso pleito, consideramos que entre as demais áreas estratégicas citadas (na lei do Fundo Social), o meio ambiente, e a mitigação e adaptação às mudanças climáticas estão diretamente associadas a investimentos em CT&I. Ademais, os avanços contínuos na ciência e tecnologia trazem as ferramentas necessárias à inclusão social a nível global e regional tão cara a seu governo”, dizem as entidades, em uma carta aberta endereçada à presidente no final de julho. Os cientistas lembram que, não fosse por investimentos em ciência e tecnologia, o Brasil jamais teria sido capaz de encontrar e explorar essas ricas reservas de óleo do pré-sal para começo de conversa.
A ciência brasileira está sendo penalizada, com sérios prejuízos para a continuidade de projetos” – Luiz Davidovich, físico da UFRJ e diretor da ABC
Investir em ciência e tecnologia, segundo os pesquisadores, é a melhor forma de fortalecer a economia a longo prazo, contra crises deste tipo.
“Após o desenvolvimento da ciência brasileira experimentado nos últimos anos, olhado com admiração pela imprensa internacional e pela comunidade acadêmica e empresarial de outros países, como exemplo a ser seguido, é frustrante perceber que a estratégia para superar a crise atual, que não acomoda uma visão de longo prazo, pode reverter o progresso acentuado da ciência brasileira ocorrido nas últimas décadas”, diz o físico Luiz Davidovich, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor da ABC, em um comentário enviado ao Estado para a reportagem.
“Países como China, Coréia do Sul e Finlândia, entre outros, têm enfrentado crises econômicas com reforço, e não corte, do financiamento à ciência e à inovação”, afirma Davidovich. “Fazem isso de modo a garantir, a médio e longo prazo, uma superação sustentável da crise através de mudanças estruturais. De fato, a história mostra que a inovação disruptiva provocada por descobertas científicas tem garantido o desenvolvimento sustentável e o protagonismo das nações que estimulam a ciência.”
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ENTREVISTA: LUIS FERNANDES, presidente da Finep
A Finep, agência de inovação do MCTI, também empenhada em recompor o FNDCT, segundo o seu presidente, Luis Fernandes. Abaixo, a entrevista que ele concedeu ao Estado por email:
Como os ajustes fiscais estão impactando o financiamento da ciência no Brasil?
A Finep é solidária ao ajuste fiscal e entende que o financiamento à inovação tem papel fundamental na retomada do crescimento do País. A saída do ajuste deve ser combinada com uma reforma profunda, que torne o Estado mais coeso e eficiente na promoção da inovação empresarial. A Finep tem capacidade singular de combinação e integração de instrumentos que confere à empresa função indelével na promoção do desenvolvimento nacional.
Qual o impacto da “drenagem” de recursos do CT-Petro para a ciência brasileira?
O CT-Petro é, historicamente, a principal fonte de arrecadação do FNDCT. A partir de 2014, a maior parte dos recursos que abasteciam o CT-Petro foram transferidos para o Fundo Social do Pré-sal, e, com isso, a arrecadação caiu de R$ 1,4 bilhão em 2013 para R$ 140 milhões no ano seguinte. Essa transferência foi alvo de uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade)*, que questiona a legalidade da iniciativa, e, por isso, está suspensa. Estamos fazendo gestões dentro do Governo para garantir que estes recursos continuem fluindo para o FNDCT até que seja tomada uma decisão final de encerramento da fonte ou não. Outra ação dentro da estratégia para recuperar o FNDCT é tentar captar recursos oriundos dos 50% do Fundo Social do Pré-sal que ainda não foram regulamentados. A negociação está avançando e estamos otimistas que seja possível. Então, mesmo que haja, para o futuro, a interrupção da fonte do CT-Petro, isso poderá ser substituído com a regulamentação do Fundo Social.
(*A Adin em questão foi movida pelos governos estaduais do RJ e ES, em 2013, no Supremo Tribunal Federal.)
Quais são as estratégias da Finep para superar esse momento difícil de escassez de recursos?
Com o FNDCT recomposto, poderemos aumentar os recursos a fundo perdido e fortalecer a subvenção econômica, instituída em 2004 com a criação da Lei da Inovação. A subvenção econômica é o instrumento de apoio financeiro mais nobre do País, pois consiste na aplicação de recursos públicos não reembolsáveis diretamente em empresas, compartilhando os riscos inerentes à inovação. Este instrumento é estratégico em projetos que envolvam riscos tecnológicos. Outro dispositivo que ganhará força com a linha de equalização do FNDCT será a concessão de empréstimos com juros baixos para empresas que queiram inovar, também fundamentais neste mesmo segmento. Com ações como essas conseguiremos estimular a inovação no setor empresarial.
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